O Recolhimento e  introspecção

A entrada do inverno e a ligação ao Yoga oferecem uma oportunidade profunda para refletirmos sobre o nosso alinhamento com os ritmos naturais e internos. Este período, marcado pela predominância da quietude e pelo recolhimento, é mais do que uma simples transição sazonal: é um momento de introspeção e transformação.

O Sāṃkhya, com os seus ensinamentos sobre os três guṇa (Sattva, Rajas e Tamas), e as práticas do Yoga oferecem um mapa para navegar esta fase do ano, enquanto a simbologia do Natal nos relembra o renascimento da luz, tanto no cosmos quanto no coração humano.

O Ciclo das Estações e o Inverno

As estações do ano são um espelho perfeito dos ciclos internos da vida humana. No verão, predominam a energia e a atividade (Rajas); no outono, inicia-se uma desaceleração que culmina no inverno, uma estação mais tamásica, de recolhimento e repouso. Esta ligação entre o macrocosmo e o microcosmo revela como o ser humano é profundamente interconectado com os ritmos da natureza.

No inverno, os dias encurtam, a luz solar diminui, e o ambiente convida à quietude. Este predomínio de Tamas pode ser interpretado, à primeira vista, como inércia ou escuridão, mas as tradições yogis sugerem que este momento é, na verdade, uma pausa necessária para a regeneração e o renascimento. Assim como a terra descansa para se renovar, também nós somos chamados a um recolhimento interno que alimenta a luz que florescerá na primavera.

Mircea Eliade, no “Yoga: Immortality and Freedom”,  enfatiza que “os ciclos naturais não são meras repetições, mas renovação criativa”. O inverno, portanto, não é um período estático, mas uma incubadora para novas possibilidades.

Os 3 Guna e o Recolhimento do Inverno

No contexto do Yoga Tradicional o inverno manifesta-se como uma predominância de Tamas, que convida à introspeção e ao silêncio. Embora este guna possa ser visto como inércia, ele é também o solo fértil onde a transformação começa. Para equilibrar este Tamas, o Yoga sugere práticas que cultivem Sattva, o guna da luz, clareza e sabedoria.

Rshí Patañjali,  no Yoga Sūtras, ensina que “Yoga é a controlo das frequências das ondas mentais”(*citta vṛtti nirodhaḥ*). Durante o inverno, a mente é naturalmente inclinada ao recolhimento, facilitando práticas de pratyāhāra (recolhimento dos sentidos) e svādhyāya(autoestudo). Este é um momento de analisar padrões emocionais e mentais, de questionar prioridades e de preparar a mente para renascer com maior clareza.

Krishnamurti, no livro “Liberdade Total”, escreve: “Um encontro com o vazio contém o potencial para o despertar.” No silêncio tamásico do inverno, podemos encontrar não estagnação, mas uma oportunidade para a transformação e o renascimento.


O Natal e o Simbolismo da época

O Natal, com a sua celebração do nascimento de Cristo, está profundamente ligado ao solstício de inverno e ao renascimento da luz. Este momento do ano marca o início do retorno do sol, mesmo que de forma impercetível, trazendo esperança e renovação. No Yoga, a luz exterior é um reflexo da luz interior, Purusha (a consciência pura), que permanece inalterado pelas flutuações externas.

Paramahansa Yogananda,  no livro “A Lei do Sucesso”,  escreve: “O silêncio e a introspecção são as chaves para abrir as portas da sabedoria. A sabedoria é luz, e a luz dissipa toda a escuridão.” O Natal, assim como o inverno, é um convite para nos reconectarmos com essa luz interior, que muitas vezes se perde na agitação do mundo exterior.


O Recolhimento e a Transformação Psicológica

O inverno afeta profundamente a mente humana, incentivando uma desaceleração natural. A ausência de estímulos exteriores intensos cria espaço para processos internos mais profundos. Este recolhimento pode ser comparado ao “silêncio” necessário para que a criatividade floresça e para que velhas estruturas mentais sejam repensadas.

Na psicologia contemporânea, esta fase é descrita como um momento de processamento emocional e reorganização cognitiva. No Sámkhya, seria visto como a transformação de Tamas num estado que serve de base para o despertar de Sattva.

Svámi Shivánanda, no “The Practice of Yoga”, explica: “A meditação no silêncio permite que a mente se eleve acima das limitações da matéria.” É nesse silêncio que encontramos o espaço para o autoquestionamento e para a preparação de novas intenções, que ganharão forma na primavera.

Yoga e a Sabedoria das Estações

O Yoga ensina-nos a alinhar o nosso ritmo interno com o ritmo do universo. Durante o inverno, somos chamados a viver em harmonia com o ambiente tamásico, mas sem sucumbir à apatia. Em vez disso, este é o momento de cultivar práticas que iluminem a mente, como meditação, leitura reflexiva e contemplação.

**Pede-nos algumas sugestões**

Rainer Maria Rilke, no seu *Cartas a um Jovem Poeta*, captura essa sabedoria ao dizer: “Cada estação tem o seu tempo, e viver cada uma delas plenamente é viver com sabedoria.”


Inverno, Yoga e Renascimento

A entrada do inverno, o simbolismo do Natal e a prática do Yoga estão entrelaçados por um tema central: o ciclo de morte e renascimento que nos guia em direção à transformação. Este recolhimento não é uma fuga, mas uma preparação — um “silêncio” que nos permite ouvir a voz interior e reencontrar a nossa essência. Assim como a luz renasce após o solstício, também nós emergimos do inverno com maior clareza e propósito.

Como disse Svámi Shivánanda, “a vida espiritual é um constante renascimento.” Ao abraçar o inverno e as suas lições, não resistimos à escuridão, mas aprendemos a transformá-la em luz.

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